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LITERATURA FEMINISTA: CRÔNICAS, (MINI)CONTOS, POEMAS, RESENHAS E MAIS!

Tudo agora é racismo?


O mundo está ficando chato. Não posso mais nem fazer uma piada. Tudo mimimi. Tudo problematização... Vamos levar na brincadeira... O racismo está nos olhos de quem vê... Eu tenho amigos negros... Geração mimimi... Antigamente tudo era mais legal...

O mundo está ficando chato ou é você que não tem mais a mesma legitimação social que tinha antigamente para oprimir abertamente as pessoas negras? O mundo está ficando chato ou é você que não está se situando e achando a noção pois o ridículo você já é? O mundo está ficando chato ou é você que não suporta ver negro reagindo ao seu racismo? O racismo está nos olhos de quem vê, isto é, de quem o denuncia? Ou está nos olhos de quem é tão privilegiado que não consegue ver um palmo diante do nariz? Tudo agora é racismo ou só agora as pessoas negras têm mais liberdade de expressão para apontar seu comportamento racista? 
Geração mimimi: geração minoritária, politicamente falando, que está em processo de empoderamento como nunca antes esteve. Geração mimimi é a geração que não deixa opressor oprimir em paz. Geração mimimi é a que aponta na sua cara o seu pensamento opressor. Geração mimimi é a que não aguenta mais o seu mimimi ("mi" deixe ser preconceituoso, "mi" deixe oprimir, "mi" deixe sustentar relações de dominação-exploração) que só sabe dizer isso mesmo diante de uma problematização bem fundamentada, com ponto de vista historicizado, com fatos com veracidade.
Mas "o racismo está nos olhos de quem vê", disse a pessoa branca, que não vê, não sente e não tem que enfrentar uma sociedade racista todos os dias. 
É da natureza dos privilégios cegar as pessoas privilegiadas, fazê-las enxergar somente aquilo que lhes convém, o que serve para sustentar seus benefícios e a posição de desvantagem das minorias que buscam contra-hegemonizar. Contudo, é da natureza da desonestidade ter acesso a informação e continuar com os olhos propositalmente vendados. 
O racismo está nos olhos de quem vê.
O racismo está nos olhos de quem não vê.
O racismo está em quem o sente, em quem o pratica. 
O racismo está presente na nossa sociedade e não é negando-o, naturalizando-o e legitimando-o que a gente vai conseguir despotencializá-lo e acabar posteriormente com ele. 
Mas não adianta problematização, didaticidade se o branco alvo da desconstrução não quer se desconstruir. Pelo contrário, quer impor sua opinião, decidindo para a pessoa negra o que ela deve levar como brincadeira e o que ela pode achar ofensivo, o que é racismo e o que é vitimismo.
E ainda dá pra situação piorar. 
Sempre que brancos percebem que a opinião racista deles não é mais internalizada, portanto não mais aceita, por uma pessoa negra, eles começam com chororo e acusam-na de "ódio aos brancos", ''segregação", "racismo reverso". Incrível como apesar de falar meda não ser legalizado, eles conseguem porte. 
Esse comportamento das pessoas brancas de quererem dar/impor opinião racista e achar que as pessoas negras devem aceitar ou debaterem sem agressividade alguma (afinal branco fala o que quer, mas não pode ouvir o que não quer) como se fosse apenas divergência de opinião, como se houvesse uma neutralidade e nenhum dos lados saísse em desvantagem, nada mais é que reflexos de uma sociedade pós-escravocrata na qual antigamente, quando esse regime vigorava, branco falava, branco tinha voz e vez e decidia a porra toda enquanto os negros escravos engoliam (muitas vezes literalmente) a própria língua... branco falava, preto apanhava no tronco, branco decidia, preto era mercadoria, branco brincava, preto chorava... mas agora tudo é mimimi, o mundo está chato, pois branco não consegue mais ser racista em paz.
O mesmo branco que não acredita em racismo. Que nega racismo. Que acha que tudo é mimimi é, muitas vezes, o mesmo que diz sofrer com o famigerado e inexiste racismo inverso. 
RACISMO INVERSO???
Se um dia a estrutura social de dominação-exploração étnica privilegiar pessoas negras, as der o poder nas relações sociais fazendo com que brancos sejam subordinados, discriminados, explorados... isto é, oprimidos socialmente só por serem brancos, branco terá aval para gritar que tá sofrendo racismo.
Se um dia for criado um regime segregacionista que negue as pessoas brancas de determinado país, seus direitos sociais, econômicos e políticos, branco terá aval para gritar segregação, um novo apartheid. 
Se um dia o governo for controlado pelos negros e eles criarem leis e governarem apenas para os interesses dos negros, sendo para os brancos impostas várias leis, regras e sistemas de controles sociais, branco terá aval para gritar discriminação, um novo apartheid. 
Se um dia for criada legalmente uma proibição de circulação de brancos em determinadas áreas das cidades para não contaminar estes locais com sua branquitude, branco terá aval para gritar discriminação, um novo apartheid.
Se um dia branco só por ser branco for moeda de troca para enriquecer negro, branco terá aval para gritar discriminação, racismo. 
Se um dia a sociedade construída anteriormente não se assumir mais racista, for considerada pós-escravocrata, pós-colonizada por negros, mas brancos continuarem sendo explorados, discriminados, subordinados, de uma forma ou de outra, branco terá aval para gritar que está sofrendo racismo. 
Se um dia for permitido que você seja branco, desde que você realmente não seja, branco terá aval para gritar ''ódio aos brancos''. 
Enquanto isso, toma aqui seu racismo inverso: omiscar.



Imagem extremamente racista reversa.

Lizandra Souza.

Comentários

  1. Porteiro este texto. MT obg pelas belas palavras e esclarecimentos do assunto q está sendo distorcido e generalizado pelos brancos.

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  2. Shooooooow de texto!!! 👏👏👏👏

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  3. Acho seu texto bem explicado sobre racismo reverso. Muito bom mesmo, eu tenho parentes negros com orgulho por que a história deles desde os tempos atrás sao de guerreiros.

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  4. Acho seu texto bem explicado sobre racismo reverso. Muito bom mesmo, eu tenho parentes negros com orgulho por que a história deles desde os tempos atrás sao de guerreiros.

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